Para Onde Vamos? A Leitura Cristã Sobre o Nosso Futuro

Para Onde Vamos? A Leitura Cristã Sobre o Nosso Futuro

O mês de Novembro assume uma peculiar tonalidade espiritual porque a Solenidade de Todos os Santos e a Comemoração de todos os fiéis defuntos, que celebramos no início do mês, nos oferece uma singular oportunidade para meditar sobre o sentido da vida eterna. O mistério da comunhão dos santos ilumina de modo particular o mês de novembro e toda a parte final do ano litúrgico que somos chamados a celebrar ao final do mês, orientando assim a meditação sobre o destino terreno do homem à luz da Páscoa de Cristo. À solenidade dos Santos segui-se a comemoração de todos os Fiéis defuntos. Estas duas celebrações, vividas num profundo clima de fé e de oração, ajudam-nos a compreender melhor o mistério da Igreja peregrina sobre a terra e a aperceber-nos cada vez mais de que a vida deve ser uma contínua expectativa vigilante, uma peregrinação rumo à vida eterna, cumprimento último que dá sentido e plenitude ao nosso caminho terreno.

O Papa Bento XVI, na Encíclica Spe Salvi, sobre a esperança cristã, (cf. 10-12) interroga-se sobre o mistério da vida eterna: «A fé cristã é também para os homens de hoje uma esperança que transforma e ampara a sua vida?» E mais radicalmente o Papa pergunta: «Os homens e as mulheres desta nossa época ainda desejam a vida eterna? Ou tornou-se, porventura, a existência terrena o seu único horizonte?». Na realidade, como já observava Santo Agostinho, todos queremos a "vida bem-aventurada", a felicidade, queremos ser felizes. Não sabemos bem o que seja e como seja, mas sentimo-nos atraídos por ela. Esta é uma esperança universal, comum aos homens e as mulheres de todos os tempos e lugares. É verdade que podemos perceber que em si há no coração humano uma esperança para além do que se espera. E esta esperança move de modo pluridirecional o ser humano. Diante do enigma da morte, em muitos estão vivos o desejo e a esperança de voltar a encontrar no além os seus entes queridos. É também forte a convicção de um juízo final que restabeleça a justiça, a espera de um confronto definitivo em que a cada um seja dado quanto lhe é devido.

Desde as religiões em geral, a direção da vida humana é sempre transcendente. A existência humana, por sua natureza, está orientada para algo maior, que a transcende. O teólogo alemão Karl Rahner, falava teologicamente de “existencial sobrenatural”, a pessoa foi criada aberta ao transcendente, como destinatária da autocomunicação divina. Por isso não resta dúvida que caminhamos para Deus; é Ele quem dá a direção, e Cristo é o caminho que nos leva a Ele. Na consumação de tudo, afirma a Sagrada Escritura, Deus transformará os seres humanos levando-os à perfeição, e então Ele verá que toda a sua criação era «boa, muito boa» (Gn 1,32). É preciso também recordar que desde toda a eternidade, em Cristo, por Ele e para Ele, tudo e todos foram eleitos: as coisas visíveis e invisíveis (cf. Ef 1, 3-13). As coisas e os seres humanos foram criados por Deus nem perfeitos nem imperfeitos, mas a caminho da perfeição, in statu via.[1] Isto quer dizer: caminhamos no caminho, que é Cristo, nos direcionamos para Ele, é Ele a nossa meta. A nossa esperança na vida eterna.

É por isso que a fé cristã é cheia de esperança, de confiança em Deus, ela afirma que caminhamos para Ele, para viver eterna e definitivamente em Deus, Ele será o nosso ambiente definitivo, querido por Ele mesmo antes da criação do mundo. É incisivo neste sentido o que afirma o teólogo Renold Blank: «O futuro se faz presente messianicamente em Jesus, o anunciador e iniciador do reino cuja consumação universal e cósmica passa pela sua ressurreição, enquanto os homens e mulheres aguardam, na esperança, a parusia e a consumação, recapituladora em Cristo. Aí, estará cristificado e, então, tudo será entregue ao Pai, consumando-se seu plano original»[2]. É o amor consolidado por Jesus, aquele que antes da criação fora constituído iniciador, salvador e consumador da criação, é Ele que apresentará no fim dos tempos a nossa humanidade ao Pai para ser plenificada pela sua graça salvadora.

Sabemos que pela morte do Filho Jesus é manifestado toda a grandeza do amor salvífico de Deus Pai, a ponto de fazer dela o instrumento da redenção definitiva. Podemos assim perceber, que na morte de Jesus, toda a fidelidade de Deus se manifesta como aquele que se revela sendo sempre fiel. Não obstante, na ressurreição do Filho o poder salvífico de Deus recria tudo por amor. O Deus gerador da vida, autor de toda a criação, ressuscita Jesus como primícias dos que morreram, Ele não se detém diante de nenhum poder. Mas manifesta o seu amor e a sua fidelidade pela sua criação.

A ressurreição de Jesus apresenta-se assim como um ato escatológico de Deus que faz culminar a criação, dando sentido a história, e antecipa escatologicamente a plenitude humana e a consumação de todas as coisas. Pela ressurreição de Jesus, o Deus dos vivos completa a criação do ser humano possibilitando-lhe o que não é possível pelos nossos próprios esforços. E mais, Deus vivifica seu Filho, porque o torna capaz de colocá-lo diante de si, o Jesus ressuscitado participa da glória divina, antecipando o futuro de todos os seus irmãos e irmãs. E nele homens e mulheres encontram a certeza de seu futuro.

Portanto, é pela ressurreição do crucificado, que a criação atinge seu ponto final.  Pela ressurreição de Jesus está aberto o caminho para todo ser humano também ser ressuscitado, ou, por outras palavras, ser salvo, ver a Deus, estar em Deus. Isto tem um significado ainda maior: a ressurreição de Jesus é uma re-criação, uma inovação criacional de Deus sobre o homem adâmico transformando-o em homem pneumatizado, cristificado, ou seja, humano em plenitude consumada.

Cabe pois percebermos que Jesus nos precedeu na ordem da intenção e na ordem da glorificação. Foi exemplar no fazer a vontade do Pai. Deu a Deus o que era de Deus. Apresentou-se a Deus como oferta de suave odor. Nele, fez de todos os seres humanos seus irmãos e seus co-herdeiros. É nele e por Ele que o Pai quer levar, à plenitude da vida, seus filhos e filhas, nascidos no tempo. O teólogo Hans Urs von Baltazar resumiu toda a ação final de Deus assim: «Deus é a “coisa Derradeira” da criatura. Como ganho, Ele é o céu; como perdido, o inferno; como examinador, o juiz; como purificador, purgatório. Ele é aquele no qual o finito morre e pelo qual ressuscita para Ele e nele. Ele, porém, o é na maneira como se voltou para o mundo, a saber, em seu Filho Jesus Cristo, que é a revelação de Deus e, desse modo, o resumo das Coisas Derradeiras»[3].

No final dos tempos, então começará o banquete sem fim, onde o Noivo, o Cordeiro, receberá toda a honra, toda a glória. Aí o Pai será tudo em todos, e começará a festa sem fim. Aí se compreenderá, em toda a sua extensão, a afirmação: “Deus é amor” (1Jo 4,16). Pois Deus fará tudo e todos participarem de sua vida. 


[1] CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n. 310.

[2] BLANK, R.J., Escatologia do mundo – O projeto cósmico de Deus, Escatologia II, p. 154.

[3] Cit. Por Franz-Josef Nocke., In: SCHNNEIDER, T., Manual de dogmática, vol. II, p.424.

Pe. Márcio Luciano