A História.

A História.

O estudo social, sem dúvida, mergulha o homem nos fatos antigos, para compreender melhor os valores e os fatos, que causaram as mudanças sociais. Nos acontecimentos revividos buscam-se os princípios unificadores sociais para compreendermos, na experiência passada, os conhecimentos específicos, que constituíram as aquisições vantajosas da humanidade, acumuladas, paulatinamente, na história, formando a dinâmica que estrutura o futuro melhor. Aproveitar a iluminação adquirida guia-se o nosso presente[1].

A tônica de animação renovatória, operada pelos Carmelitas, iniciou na Holanda, num encontro entre o Provincial dos Carmelitas Descalços na Holanda e o Bispo D. Muniz, bispo redentorista, pois quando seminarista estudara na Holanda, no seminário que a congregação tinha em Wittem. O convite formulado pelo Bispo foi aceito, pois a diocese precisava de missionários. Dois carmelitas aceitaram a solicitação, eram: Frei Paulo Bus e Frei Henrique Jansen. A tarefa brasileira iniciou na cidade de Recife. Do navio “Giulio Cesare” desceram os dois Freis Carmelitas, que levariam os arautos da palavra de Deus para a cidade de Bom Jesus da Lapa e Santana. Os Religiosos procuraram de Recife seguir o caminho e, para chegar ao destino, tiveram que viajar de ônibus, de caminhão e de barco. Em Bom Jesus da Lapa Frei Henrique começou o trabalho missionário e Frei Paulo em Santana, era o dia 14-5-1955[2]. No domingo foram logo no Santuário para celebrar a Santa Missa e na segunda-feira os dois percorreram a cidade, percorrendo suas ruas. Visitando uma escola o diretor ficou abismado pela sabedoria de Frei Paulo, que, logo, foi eleito para ser professor, dando-lhe o ensino do inglês, do francês e da religião.

Chegando a Bom Jesus da Lapa, a alma conquistadora de Frei Paulo o levou a inspecionar o rio São Francisco, procurando beneficiar os pescadores, mediante uma cooperativa, que conseguiria unir os esforços, valorizando, num mercado organizado, os peixes tirados da água do rio e para estes como beneficiar os cultivadores, usufruindo da água do rio, tirando da terra o pleno sustento para a vida. Estudou, ainda, a gruta do Santuário do Bom Jesus da Lapa, procurando um novo modo de ampliar o Santuário existente. Julgava que as águas do rio não tinham modelado só o espaço conhecido, tendo, necessariamente, formado outros lugares. Uma viaje à Holanda o tirou de suas idéias arrojadas, pois já estava pensando em iniciar um túnel através da colina, procurando outras grutas, que imaginava de estarem, certamente, no íntimo do morro. A picareta ficou acantonada.

Aumentando o numero de Freis, enquanto alguns ficaram em Bom Jesus da Lapa, Freis Paulo foi enviado, definitivamente, para a cidade de Santana. A definição do superior fez-lhe deixar os sonhos dos ribeirinhos e a idéia da gruta da Lapa. Mais tarde, o que parecia quimera se tornou realidade, quando as velas das promessas incendiaram e o fogo, abrindo um buraco, revelou a existência de outra gruta, tornando o espaço do Santuário maior.

Estando em Santana a ambição conquistadora acompanhava-o. Vivendo na cidadezinha excogitava, como sempre, a busca de uma vida melhor para o povo sacrificado, dedicando-se, porém generosamente, como os outros, ao apostolado missionário. Vendo a imensidão do cerrado, idealizava uma solução para a aridez da terra e torná-la benéfica e produtiva aos seus moradores. Todas as melhores inteligências das famílias emigravam pelo surgimento da nova capital do Brasil: Brasília.

Diante de si estavam azuladas montanhas da Serra do Boqueirão. Seduzido pela ânsia do desconhecido, chegou com alguns amigos até as montanhas vislumbradas. O grandioso cenário estava agora presente e ali encontrou muitas grutas, fundos canais, cujas profundidades revelam o borbulhar de uma quantidade imensa de água, cuja origem e direção eram desconhecidas. Era difícil saber ou como explicar ou melhor compreender os caminhos traçados debaixo da terra. Na música profunda surgida do abismo, voltaram a despertarem-se os sonhos, sempre grandiosos, pois via uma planície repleta de vegetação exuberante, beneficiada pela presença de um clima especial e uma água abundante, que sempre corria benéfica e vitalizadora.

Agora a pobreza estava ligada à terra queimada pelo sol perene. Diante dos olhos via a vida sofrer, envolvida pela aridez, a seca e o vermelhão. Diversas vezes visitou as grutas, procurando equacionar as montanhas, as grutas e a água, buscando uma solução que fosse benéfica para o povo e os fazendeiros.

O numero dos Freis aumentava e no ano seguinte (1953) o provincial enviou outros Freis: Cristóvão Willems, Ambrósio Heijnen e Anselmo Baltussen. Dois anos depois da primeira chegada vieram Frei Tiago Montforts e Frei Patrício. Assim em 1955 eram sete os Carmelitas holandesas na Bahia.

Com as dificuldades do lugar, onde os Freis exercitavam seu apostolado, alguns mudaram para um lugar mais civilizado: Belo Horizonte e Nova Serrana. Aos dois que foram para Minas: Ambrósio e Cristóvão uniram-se: Frei Anastásio e Frei Ludovico, Frei Rafael e Frei Teodardo. Na terra de Minas iniciaram o trabalho apostólico e pensavam que, sempre, iria marcar-se, definitivamente, a geografia do trabalho, abrangendo Bahia e Minas. Algum tempo depois um acordo, estabelecido entre Núncio Apostólico e o Provincial, foi determinante por uma mudança dos Carmelitas, reestruturando o campo de ação apostólico. Os Freis de Bom Jesus da Lapa e Santana foram para a região das Lavras Diamantinas.

Chamado para outra região pela ordem do Superior Provincial Frei Paulo teve que deixar suas pesquisas e as cogitações benéficas. Ali ficaram os sonhos e os planos com os projetos idealizados para as soluções destinadas em dar à terra condições de habitabilidade, cuja aplicação teria seus frutos profícuos, melhorando a vida de seus paroquianos. Como religioso e chamado à obediência, suas imaginações pararam, pois novo caminho se traçava à sua vida religiosa.

O novo lugar é montanhoso, e incluía as cidades de Palmeiras, de Andaraí, de Lençóis, de Seabra e de Bananal. Ali se construíram escolas, igrejas, hospitais, valorizando os trabalhadores e de modo especial os peneiradores das areias dos rios, que encontravam muitos brilhantes, verdadeiras fortunas, mas desvaliadas pelos compradores. O Frei Paulo percorria com os jovens as trilhas naturais das montanhas, como elemento formativo de como buscar a Deus na natureza, a exemplo do profeta Elias, pois no alto a pessoa se sentia mais vizinha ao infinito divino. Alcançou com alguns amigos a queda mais alta de água, que segundo sua medida marcava os 400 metros, usando barbante e uma pedra amarrada à sua ponta. Hoje o tombo, na medida atual, é de 380 metros de altura. O tombo transforma a água, por um fenômeno surpreendente, em vapor, por causa da força do vento. Segundo o dizer de uma velha, encontrada numa casa de lama e de palha, encostada a uma pequena gruta, contava que toda aquela fumaça, pela força mágica do sol e da lua, produzia os brilhantes encontrados nas areias dos riachos. O Frei, aproveitando sua viagem à Holanda, levou diversos brilhantes e vendeu-os aos melhores lapidadores de sua terra, recebendo um pagamento generoso, beneficiando os donos e enriquecendo a cidade com novas construções. Todo este movimento deu o bem estar e as pessoas se tornaram valorizadas, como cidadãos e como católicos. A mesma velha revelou seus secretos. Indicou outras cachoeiras revelando suas capacidades medicinais e o Frei e os jovens as alcançava com entusiasmo, mergulhando em suas piscinas. Sentia naquela águas a força para um caminho especial, capacitando a enriquecer-se com o espírito da sabedoria para seguir com segurança os momentos da vida. No lugar todos ficavam extasiados com o encontro com a antiguidade, eram umas pinturas rupestres, deixadas por uma antiga civilização, que levavam o Frei a uma viagem no tempo e a valorizar o alto da Serra das Paridas.

Os Freis, quando tinham que chegar à cidade de Salvador, alcançavam-na usando ou a estrada ou o trem. O caminho que se percorria pelo chão era o traçado que passava por Itaberaba e Feira de Santana, até chegar a Salvador. O meio de comunicação rodoviário era os caminhões, que transportavam mercadorias ou iam carregá-las na Capital. O percurso era efetuado, quando existia amizade, na baleia, ficando o Frei na cabina com o motorista, e, quando não existia, era na carroceria entre as cargas ou alojado nos espaços vazios da carga ou no alto do carregamento. O percurso se efetuava numa estrada poeirenta, cujas nuvens transformavam os viageiros em fantasmas, tornando-os seres lunares.

Na Capital os Freis encontravam sempre amparo no Convento do Carmo de Salvador, irmãos carmelitas, recebendo abrigo, assistência e carinho. Os conventuais eram todos holandeses e isso facilitava a comunicação e a recepção. Sempre achavam um quarto arrumado e a comunidade aberta aos irmãos hóspedes, e estes eram sempre entrosados nas conversas fraternais do trabalho pastoral.

Sempre que precisassem providenciar de documentos ou resolver outros problemas em Salvador, Eles se tornavam anjos, que guiavam e ensinavam o caminho e a solução.

O regresso para a Chapada Diamantina levava os Freis a buscar na Cidade Baixa de Salvador qual o caminhão que percorresse a estrada BR. 242, e, encontrado, esperavam o dia da viagem. Quando o encontro do meio rodoviário era diferido para numerosos dias, tinham que usar a estrada de ferro.

O percurso por trem levava os Freis que estavam em Seabra, em Palmeiras, em Lençóis para Andaraí e de lá, por uma estrada de chão, alcançavam Itaeté, e usando um braço de ferrovia, chegavam a Queimadinhas, de onde seguiam para Iaçu, Castro Alves, Cachoeiras, Santo Amaro, Candeias e enfim, a Capital Baiana. A viagem não tinha tempo marcado, pois a locomotiva funcionava a vapor e o combustível era a madeira. Quando o animador do fogo diminuía no vagão de escolta, o trem parava e os maquinistas e os ajudantes, com machado e serra, penetravam na mata bravia e recolhiam a madeira necessária. Diversos viageiros se tornavam ajudantes e colaboradores, para melhor providenciar as provisões e dar força ao fogo. As chuvas torrenciais atrasavam sempre a ida ou a volta e, portanto, o serviço e a chegada[3].

Quando em 1957 foi empossado na diocese de Caetité a Dom José Pedro Costa os Freis se tornaram presença. O ato de posse á celebração trouxe o Cardeal de Salvador Dom Augusto Álvaro da Silva, chegando de avião, com a presença de seu secretário, o padre Juarez, também cerimoniário para os atos solenes. Terminada a posse do Bispo, o Cardeal e as autoridades militares e civis voltaram de avião para Salvador e o secretário ficou desamparado. O único meio de transporte para a sociedade do Monsenhor seria o caminhão, com o qual a banda da Polícia Militar iria alcançar a cidade de Brumado e enfim o trem, para chega a Salvador. Com a turma militar estava Frei Tiago e o secretário do Cardeal, importante nas cerimônias e nas solenidades. Chegando a Brumado um vagão foi fixado ao trem e juntos estavam agrupados os militares e os companheiros de viagem. O veículo ferroviário levava galinhas e porcos, destinados à Capital e os novos beneficiários sentiam todos os perfumes dos animais e a poeira levantada pelo vento. Frei Tiago e P. Juarez viajavam juntos, tendo uma janela para ver a paisagem cortada pelo trem. O pobre cerimoniário não sabia o que fazer. Queira rezar o breviário e desistiu, aliviou o aperto do pescoço até tirá-lo, desabotoou a batina, antes um botão e depois outros, até tirá-la. A surpresa é que à noite o vagão se soltou e todos ficaram perdidos na escuridão, até chegar um novo trem, que, guinchado o vagão perdido, acionou o movimento, pondo-o em marcha e com todos os vagões seguiu-se a viagem, até Salvador. Só a meia noite do dia seguinte os dois viajantes chegaram à Capital e a seriedade do cerimoniário estava quebrada e abatida. Os Freis sempre viviam o mesmo drama do transporte[4].

A diocese prometida pelo Núncio Apostólico, a ser formada na Chapada Diamantina e guiada pelos Carmelitas, centralizada no núcleo de Barra, Livramento e Caetité, evaporou no sonho, e o bispado prometido nunca se concretizava. Diante do trabalho organizativo que visava um futuro eclesial, fundamentado no pedido do Núncio Apostólico, nunca as cartas recebiam uma afirmativa nas respostas, confirmativas ao pedido implorado. Nunca se dava uma solução, e as palavras continham vagas considerações, fundadas nas rotantes determinações do Vaticano. Os trabalhos de organização humana, social e religiosa influenciaram a estrutura preparada, que sentiu uma esperança martirizada, atormentada por uma falha, de algo planejado, e construído com renúncias, cuja confiança se esvaziou e o sacrifício foi enganado. Outra preferência de bispado foi feita e realizada após a saída dos Carmelitas da Chapada Diamantina, quando se escolheu outro lugar, sendo Bom Jesus da Lapa, em 21/07/1962.


[1]  Soub, José Nasal Pacheco. Entrevista realizada com Frei Tiago de Sant’Ana. Gravação em discos. 2002.

[2] História dos Frades Carmelitas Descalços no Brasil. Manuscrito. Caratinga, 2009. Pgs. 4 e 14-16.

[3] Sant’Ana, Frei Tiago de. Relato verbal. Ano 2000.

[4] Sant’Ana, Frei Tiago, Ibidem, ano 2000.